A Indignação Resignada – 21\04\2020

O jornal impresso, segundo Hermann Hesse, constituiu nosso ritual de confiança na ilusão da previsibilidade do mundo. Ler pela manhã dava a ideia de que todas as coisas relevantes do dia anterior estavam ali contidas, bem como fornecia uma pauta do relevante que se daria. Todavia, uma vez que as catástrofes naturais rompiam essa ilusão, após findar a catástrofe a imprevisibilidade somente recuava, mesmo que escondida sob a unha do dedo mindinho. A incerteza aguardava os sinais para sair e tomar o sujeito.

Nos curiosos tempos atuais, a imprevisibilidade galopante sobre que mundo passaremos a ter convive com o pavor das previsibilidades sufocantes. Hoje, 21\04\2020, as UTIs Pernambucanas atingiram sua capacidade. A partir daqui internações serão administradas numa fila, o horror da agonia sufocante sem atendimento está concretizado. Domingo, 19\04\2020, o Presidente eleito anuncia para todos a vontade de operar um golpe de Estado.

Muitas análises críticas estão prontas, algumas repetitivas, outras brilhantes, em comum a todas elas a indignação e a ausência das possibilidades de ações práticas. A “espera dos meteoros” (não bastava um?).

Em relação a tragédia sanitária devemos permanecer em casa, mas podemos ajudar o fornecimento de material para os profissionais de saúde, a manutenção básica para as pessoas com necessidade, os mais diversos apoios possíveis às vítimas do corona. Tantas são as ações possíveis e desejáveis.

Quanto ao golpe: “chama o ladrão, chama o ladrão”? Bons cordeiros à espera do abate. Não é curioso que uma ação humana, com o asqueroso cheiro de humanidade, possa nos deixar mais inertes do que estamos diante do vírus??

Não conseguiremos pensar em nada mais do que apoio as instituições e o conclame a uma ampla frente democrática? Repetiremos o bisonho pedido para que o Presidente renuncie de boa vontade? Apoiaremos o pedido de interdição do Presidente para que sejamos nós a povoar os hospícios? Confiaremos na defesa constitucional e na imparcialidade de Moro? Nos valores democráticos e constitucionalistas do exército? Na capacidade da imprensa informar e mobilizar a população? Mais valeria a ignorância ou a confiança serena de que tudo estará bem.

“fraguei momentos, nas vagas desses fragmentos, tenho naufragado” (Irineu Molina)

Paulo Fernando Pereira de
Souza

Psicanalista do Círculo Psicanalista de Pernambuco – CPP